‘Regra antiga era antioperacional’, diz Wagner Rosário sobre decreto de sigilo a dados públicos

‘Regra antiga era antioperacional’, diz Wagner Rosário sobre decreto de sigilo a dados públicos

O ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, responsável pela transparência da administração pública, afirmou acreditar que o decreto que permitiu a servidores comissionados impor sigilo ultrassecreto a dados públicos foi mal interpretado, e que os direitos ao acesso à informação estão mantidos.

Em entrevista ao blog, Rosário diz que regra antiga era “antioperacional” e defendeu que as novas diretrizes – assinadas nesta quinta-feira (24) pelo presidente da República em exercício, Hamilton Mourão – vão simplificar processo de classificação de informações.

“[O decreto] vai alinhar o processo, as regras do processo que permita você ter uma operacionalização, uma simplificação do tipo de trabalho. Do jeito que estava não garante mais transparência e gera um tipo de trabalho totalmente oneroso para algumas autoridades”, afirmou o ministro.

O chefe da CGU dá um exemplo de um cargo importante, como o de diretor-geral da Polícia Federal, que acabava sobrecarregado na classificação de documentos sigilosos. Rosário explica que nenhum superintendente dos 27 estados podia classificar um documento como reservado.

“Agora você imagina se cada informação que for classificada na Polícia Federal subir pro Diretor-Geral classificar. Qual a lógica nisso?”, questiona o ministro.

Rosário também conta que, em um órgão como a Marinha, existe o projeto de um submarino nuclear. “Quase tudo no projeto de um submarino nuclear é sigiloso. [E tem que] subir para o comandante da Marinha. Teve uma hora que, se for fazer isso, ele vai passar o dia inteiro só para ver processo de classificação de documentos”.

Segundo ele, há medidas de correção de erros de um documento classificado, que pode ser revisto pela própria CGU ou outro órgão em caso de recurso.

Além disso, o autor da classificação tem que informar o seu superior, como diretor-geral da PF ou o comandante da Marinha, que analisará a documentação, e os servidores responsáveis podem ser punidos, se fizeram uma avaliação errada de um documento.

Leia abaixo a entrevista:

Blog – Há críticas de especialistas de que o decreto que permite a servidores comissionados impor sigilo ultrassecreto a dados públicos é um retrocesso.

Wagner Rosário – Essas colocações são desprovidas de qualquer lógica. Vamos analisar: a lei trouxe essa previsão de classificação de informação, diversas informações que precisam ser classificadas. Alguns órgãos têm necessidade de classificar a informação. Essas informações podem ser delegadas. Por óbvio, imagine que seu público é muito grande, você pega um Diretor-Geral da Polícia Federal, o cara tem um mundo debaixo dele. Agora você imagina se cada informação que for classificada na Polícia Federal subir pro Diretor-Geral classificar. Qual a lógica nisso?

Blog – Era assim que funcionava?

Rosário – Estava previsto que você tinha, para as informações de grau secreto e ultrassecreto, só poderia ser Presidente, Vice-Presidente, Ministro de Estado, Comandante da Marinha, Exército e Aeronáutica, Chefes de missões diplomáticas e consulares. No grau secreto, você impedia que essas pessoas, além das autoridades que eu te falei, tinha os titulares de autarquias, fundações, tudo grau secreto. Então, em grau secreto era só esse pessoal. E no grau reservado tinha que ser DAS 101.5 para cima. Aí depois falava que é vedada a delegação de competência de classificação nos graus de ultrassecreto e secreto. Isso é o que o decreto falava, porque a lei falava que poderia passar para qualquer agente público. Aí você pega o seguinte: pela regra, o Diretor Geral da PF teve que absorver tudo, porque dentro do órgão, para classificar reservado, é de 101.5 para cima. Todos os superintendentes da PF são 101.3. Não são 101.5. Só Rio e São Paulo que é 101.4. Então assim, ele tinha que classificar tudo. Isso tem lógica? Isso é antioperacional, não tinha lógica.

Blog – Mas um diretor da Polícia Federal tem vários assessores, não tem alguém que pode fazer isso e só chegar para ele com a decisão final?

Rosário – Sim, mas para quê ele precisa fazer isso se ele pode delegar para todos os superintendentes e sendo que o próprio parágrafo quarto do novo decreto prevê que essas autoridades têm até 90 dias para informar a ele? Então, quer dizer, o diretor, superintendente da polícia lá no Amapá, não tem condição de classificar um documento. Isso é sem lógica. Quanto ao ministro de Estado… o da Saúde tem mais condições do que o secretário específico da pasta dele? Detalhe: lembre-se não está abrindo para qualquer um fazer. Ele está abrindo para autoridades delegadas. Não está indiscriminado, ‘qualquer um pode’, não. Para secreto e ultrassecreto ele pode delegar para DAS 101.6, que seria o secretário.

Blog – Então, na sua visão, não tem prejuízo?

Rosário – Nenhum. Ele vai alinhar o processo, as regras do processo que permita você ter uma operacionalização, uma simplificação do tipo de trabalho. Do jeito que estava não garante mais transparência e gera um tipo de trabalho totalmente oneroso para algumas autoridades.

Blog – Os especialistas estão fazendo uma linha de raciocínio para chegar à seguinte conclusão: um maior número de pessoas tendo essa possibilidade e a responsabilidade de colocar informações governamentais sob sigilo, acaba ampliando o número de informações que vão ficar escondidas da sociedade. Esse raciocínio está errado na sua opinião?

Rosário – Na minha opinião, está errado. Primeiro porque, dentro de 90 dias ele tem que informar a autoridade. Você vai delegar para quem você confia, você está delegando a competência. Outra, estão amarrados em lei. Vamos lá: isso é defesa à soberania nacional, prejudicar ou pôr em risco negociação de assuntos nacionais. Quando classifica tem um termo [Termo de Classificação de Informação] para preencher, colocar os motivos, fazer tudo. Se classificar de forma errada, quem delegou pode desclassificar no momento que quiser. Outra: quando você pedir a informação e ele negar, você pode fazer as revisões, primeiro para a autoridade superior a ele, caso já não seja a autoridade maior do órgão que respondeu, depois à CGU, depois à CMRI [Comissão Mista de Reavaliação de Informações]. Assim, os direitos estão mantidos. Não existe discussão. Agora, eu vou te fazer uma pergunta com sinceridade: você acha que dá mais confiança eu classificar ou poder delegar um ultrassecreto para o meu secretário geral de controle, para o meu secretário geral da União, você acha que a partir de agora a lei está mais em risco? É classificação, é um servidor público, está lotado naquilo, se ele fizer alguma coisa será responsabilizado.

Blog – Eu tenho boas e más experiências com a LAI. Algumas negativas não fazem sentido. Outras fizeram. Como o senhor mesmo disse, é uma decisão subjetiva. Mais pessoas com esse poder de subjetividade…

Rosário – Você tem níveis de subjetividade. Não tem como você amarrar, tem coisas que vão ser analisadas. Tem uns problemas na lei também. Nós temos um caso: qual é o máximo de tempo que eu tenho? São 25 anos para ultrassecreto. Esse é o prazo máximo. Aí eu te digo: a planta do banco Central, depois de 25 anos, eu posso fornecer? Você pode ver também que a lei não é perfeita, tem suas falhas. A gente vai ter que acertar isso. Não é fácil a norma. Eu não estou falando que a gente nunca vai errar, que a gente não pode errar. Mas, no caso específico de hoje, o que eu queria deixar claro é que não tem nenhuma ideia de obstrução a nada. Foi de simplificação pelas estruturas. O pessoal não tem ideia de como centralizar a medida numa pessoa sem ela poder delegar, como aquilo acaba com ela. Por exemplo, você pega um órgão como a Marinha, que está tratando de um submarino nuclear. Quase tudo no projeto de um submarino nuclear é sigiloso. E cada vez que isso acontece tinha que subir para o comandante da Marinha. Teve uma hora que, se for fazer isso, ele vai passar o dia. É o dia inteiro sem fazer mais nada, só para ver processo de classificação de documentos.

Blog – E o senhor confia nessas pessoas que são de confiança do comandante da Marinha, por exemplo.

Rosário – Eu não delegaria para uma pessoa que eu não confio.

Blog – Mas o senhor confia que todas essas pessoas que receberão essa responsabilidade seguirão “ipsis literis” o que determina a lei na hora de classificar?

Rosário – É determinação. Quem não cumprir é responsabilizado, como funciona em todo local. Dá o trabalho para o cara e, se ele não fizer, ele é responsabilizado. Detalhe, se você pedir a informação e ele negar alegando a classificação e você recorrer, nós somos obrigados a identificar se aquela classificação foi devida ou não.

Blog – E ele pode ser responsabilizado como?

Rosário – Tem a previsão na norma que ele pode ser responsabilizado. Tanto os militares como os civis pelo não cumprimento de norma, previsto na Lei 8.112, até por improbidade, se for o caso. Está até previsto na lei. Para você ter uma noção, o artigo 65 do decreto, parágrafo segundo, traz: pelas condutas descritas no caput, isto é, agir como dolo ou má fé, divulgar ou permitir a divulgação, permitir acesso indevido a informação classificada, impor sigilo à informação para obter proveito pessoal ou de terceiros, ocultar restrição de autoridade… a pessoa pode responder por crime de responsabilidade previsto na lei 1079 ou pelas infrações previstas na 8429, que é nossa lei de improbidade administrativa.

Blog – E quem fiscaliza isso?

Rosário – A CGU é um dos que fiscaliza e a própria pessoa que delegou, porque de 90 em 90 dias você vai verificando. Você pede a informação, eles negam por sigilo, você recorre, a gente vai olhar e verifica. Verificou que o cara tomou qualquer medida dessa, porque às vezes você pode ter tanto [um servidor] esconder como divulgar a informação sigilosa. Ele vai responder por isso. Detectando, a gente encaminha para a AGU a quem cabe entrar com as ações, e a gente também, descumprindo qualquer norma, pode responsabilizar a pessoa.

Blog – O Diretor da Polícia Federal, por exemplo, poderia ser responsabilizado por ter colocado sob sigilo?

Rosário – Pode, qualquer um. Está sujeito à Lei 8.429. O ministro não está sujeito à sanção disciplinar, mas está sujeito a crime de responsabilidade, está sujeito à Lei de Improbidade Administrativa.

Rosário – Exatamente. Na verdade, ele dá mais liberdade porque lembre-se que é uma possibilidade de delegação. Com certeza a autoridade que classifica uma ou duas informações por ano, não vai delegar. Não tem porquê. Agora, a autoridade que necessita delegar, vai fazê-lo. Tenho certeza que alguns órgãos, pela sua característica de ser muito distribuído, em que você tem autoridade na ponta que é responsável por um Estado todo, ele vai delegar para outra autoridade e vai diminuir o fluxo dos documentos sob a sua responsabilidade.

Blog – Uma das comparações temporais que fizeram foi com o período da ditadura, quando havia dificuldade de ter acesso à informação?

Rosário – Essa comparação é ridícula porque nem havia Lei de Acesso à Informação no regime militar. Como você falou, na época do regime militar.

Blog – Mas então o senhor acha que é desinformação mesmo em relação à medida que foi tomada?

Rosário – Exatamente. Eu já vi vários questionamentos hoje que demonstram um certo desconhecimento da norma, mas isso foi muito bem explicado nas notas, principalmente da CGU, da nossa área de comunicação social. Basicamente só permite, define melhor a delegação. A lei permitia a delegação a agente público, a gente está colocando um nível alto ainda. Pode ver que as delegações estão ainda em nível 6, 5 e, no reservado, para o agente público com DAS que aquele órgão determina como autoridade delegante. E ainda tem um controle de até 90 dias para ver todas as informações de documentos que foram classificados.

Fonte: G1

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